segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Cordas: livres delas?

É Carnaval.  E estar em Salvador me fez refletir sobre uma relação entre negros, servilismo e liberdade, metaforizada na figura das cordas.

No dia anterior ao qual fui ao carnaval soteropolitano, assisti a Django livre - último filme de Tarantino, do inglês Django Unchained. O filme traz a história do escravo Django, que se arrasta e é arrastado (na polissemia mesmo do termo) ao encarnar o papel que vai de um negro servil a um típico atirador inveterado de bang-bang. A ficção está aí para ser vista, por isso não vou aqui pormenorizá-la. O que quero destacar, no entanto, é a ranhura que existe entre o carnaval baiano e a predisposição negra à subserviência, esta última presente seja nas violentas cenas de tronco e cordas modeladas por Tarantino ou naquela que leva um imenso cordão humano e subserviente a cercar um bloco (de pessoas) atrás do trio elétrico.

No Carnaval, os "cordeiros" - como são chamados esses homens e mulheres que circundam uma "multidão diferenciada" com a força dos braços em grossas cordas - ganham alguns poucos vinténs para estarem ali no servil papel de isolar um bando - que pagou o abadá do bloco - do resto do povo. Apesar desse papel parecer de menor importância na grande festa da carne, simbolicamente é tão forte quanto a força que eles exercem no empurra-empurra humano.

A corda, ali, é símbolo da cisão, da separação, da filtragem. Fora dela, a multidão indiferenciada, o "povão", é espremida num espaço diminuto que choca com as paredes dos camarotes da elite. O cordão, negro em sua maioria, de feição sofrida, por vezes com luvas nas mãos, impõe a força braçal mais incoerente da Bahia: acorrentai e protegei aqueles que pagam por este solo. É desse servilismo econômico, desse apartheid contemporâneo, que falam as cordas negras do carnaval da Bahia. A liberdade é ali apenas uma falida retórica da terra de todos os santos.

Toda relação seria possível com o desacorrentado Django de Tarantino. A situação do negro escravo no filme põe em pauta, numa situação oitocentista, a dependência miserável entre negros-mercadorias e brancos-endinheirados. Prisões, punições, sofrimento, subserviência, desespero, grades, caixas e cordas. Algumas das situações, quando enquadradas na tela, podem parecer muito mais desconcertantes do que a penúria dos cordeiros do carnaval. É, porém, horripilante constatar que a "liberdade" negra na terra mais afro do Brasil não é nem mesmo aspirada na ruptura dos cordões e correntes sócio-espaciais.

Enquanto Django dança no seu cavalo, a Bahia se debate nos muros totêmicos dos camarotes.